quarta-feira, 17 de março de 2010

Curdos: Um povo sem pátria

Por que a etnia é perseguida há tantos séculos?


O século 20 certamente será conhecido como aquele que produziu inúmeros genocídios. E o que é pior: todos com testemunhos dramáticos provando que a aventura humana na Terra é marcada cada vez mais pela destruição da vida em todas as suas formas.
Ao longo de milênios os povos foram se diferenciando e criando identidades culturais peculiares e riquíssimas, mas constantemente atingidas pela barbárie. Ainda hoje nações inteiras correm o risco de desaparecer diante dos olhos do mundo globalizado, interligado, informatizado e cada vez mais desumanizado.
Entre os povos perseguidos estão os Curdos. Trata-se de um dos diversos grupos de origem indo-européia que se estabeleceram na confluência entre a Turquia, Irã, Iraque e Armênia, onde vivem a cerca de 3000 anos. Situadas em local estratégico, na ligação entre o Ocidente e o Oriente, suas terras sempre foram alvo de disputas. Um dos fatores que os particulariza em relação aos vizinhos é sua organização social baseada na democracia tribal e fundamentada na propriedade coletiva das terras. Dentro de cada agrupamento, as mulheres elegem suas representantes perante uma assembléia de homens. Eles, por sua vez, escolhem a liderança da vila, submetidas a um poder regional e assim sucessivamente.
Os Curdos desfrutavam de uma relativa autonomia até 1639, quando o Império Otomano estabeleceu uma série de acordos como o Império Persa interessados em cobrar tributos naquela região e dominar as rotas comerciais. Desde então as relações internas dos Curdos foram marcadas pela divisão, pois passaram a ser comandados pelas leis daquele que dominavam seu território.
A questão curda voltou a fazer parte das pautas de negociações internacionais durante a Primeira Guerra Mundial. Nesse período o Império Otomano (atual Turquia) se aliou a Alemanha temendo a ampliação da influência inglesa nas cercanias do seu território.
Com a derrota turca e alemã, as vencedoras Grã-Bretanha e França repartiram o Império Otomano em zonas coloniais. Parte dos curdos ficou no norte do Iraque, submetidos ao domínio britânico, enquanto o outro grande contingente permaneceu na Turquia, selando definitivamente o destino dessa nação.




Mulheres carregam lenha em
uma região curda entre a Turquia e o Iraque
Acreditava-se naquela época que o desmembramento do Império Otomano geraria condições para o nascimento de um Estado Curdo, mas a descoberta de jazidas de petróleo na região e o temor da influência socialista foram fundamentais para um rearranjo de forças que desencadeou feroz repressão na Turquia, onde o idioma curco foi totalmente reprimido. Na parte iraquiana, eram eventualmente ouvidos, mas raras vezes atendidos.
Diversos levantes armados curdos ocorreram entre os anos 20 e 30. Nenhum deles, porém, conseguiu resultados efetivos. Jovens curdos foram para Europa estudar e buscar apoio para a independência. Em contato com intelectuais europeus, essas novas cabeças organizaram partidos políticos, muitos com inspiração socialista e apoio soviético.
Em fins de 1945, a minoria curda no norte do Irã, organizada pelo Partido Democrático Cudo, conquistou amplos territórios lutando contra o exército iraniano. Em janeiro de 1946 a resistência Curda declarou a república do Curdistão, que caiu 11 meses depois.
Durante a década de 1970, surgiram inúmeros grupos revolucionários. Um deles foi o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), que iniciou uma violenta revolta contra a opressão turca. Durante as décadas de 1980 e 1990, o PKK lançou uma campanha sistemática com atos terroristas que resultou na morte de mais de 30 000 civis turcos.
A questão curda reapareceu com certa importância durante a Guerra do Golfo, em 1991. Quando Sadam Husseim foi expulso do Kuait, derrotado pelos Estados Unidos, muitas lideranças curdas do Iraque acreditaram que seria o momento ideal para a criação de uma Curdistão independente. Os curdos representam 15% da população iraquiana e ocupam a faixa centro-norte do país em direção a fronteira turca. A tão falada Guarda Republicana de Sadam enviou para a região grupos de elite com a tarefa de reprimir os rebeldes. Aviões iraquianos lançaram armas químicas sobre a população curda, levando a ONU a decretar uma zona de exclusão aérea para aviões de Sadam. A repressão violenta a rebelião gerou um êxodo em massa de curdos para a Turquia, para onde fugiram mais de 1 milhão de pessoas.
A Turquia se mostrou incapaz de lidar com os refugiados e fechou suas fronteiras depois que mais de 400 000 curdos se estabeleceram em vilas próximas às cidades de Hakkari e Mardin.

Apesar de não justificar a invasão ocorrida, a recuperação da convivência pacífica entre iraquianos e o reconhecimento do povo curdo como parte integrante daquela população seriam certamente “efeitos colaterais” importantes para o nascimento de uma nova pátria, livre da ingerência anglo-americana inadmissível, injustificada e inaceitável para os muçulmanos e a comunidade internacional.
Pressionada pelos Estados Unidos, a Turquia aceitou a autonomia curda no norte do Iraque diante de uma eventual queda de Sadam. Mas mais uma vez a Turquia buscava a solução do problema pela via da aniquilação do povo curdo. Desde 1989, utilizou, pelo menos em 29 ocasiões, armas químicas contra os redutos curdos nas montanhas, na tentativa de exterminar a guerrilha do PKK. Nos últimos anos a guerra produziu 2500 vítimas anuais. Por ser membro da OTAN e aliada dos Estados Unidos, a Turquia nunca sofreu sanção internacional.
Os curdos são o maior grupo étnico do mundo que não dispõe de um Estado próprio. Segundo a Sociedade de Povos Ameaçados, vivem no mundo mais de 30 milhões de curdos. Fontes curdas calculam este número em até 45 milhões. A grande maioria concentra-se na Turquia, mas também há curdos no Irã, no Iraque e na Síria.
Desde a prisão do fundador do PKK, Abdullah Öcalan, e a pressão da União Européia sobre a Turquia para que observe os direitos humanos, a situação dos curdos naquele país melhorou. Mesmo assim, muitos ainda se queixam de discriminação, repressão e violência.







Fonte: Conhecimento Prático em Geografia

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